3 de setembro de 2009

O outro lado da rua



A casa da minha avó sempre foi especial. Além de ter sido palco para todas as minhas receitas culinárias com mato e flores no fogãozinho de brinquedo e para todas as guerras de tomate que encenei com os meus primos, o sobrado ainda conta com aqueles elementos essenciais para residências do gênero: piso decorado com pedaços de azulejos, bibelôs na estante, fotos até a quarta geração da família espalhadas pelos cantos, toalhinhas de crochê nas mesas (e na televisão, no liquidificador, no telefone...).

O melhor é que a diversão não terminava quando eu saía do portão pesado e pisava na calçada. Pelo contrário. Naquele momento, um leque de opções se abria. Pois do outro lado rua pouco movimentada tinha – e tem – uma praça. E, se algum dia, alguém for filmar a vida de Valentina (ah, me deixa sonhar), terá de arrumar uma locação parecida com aquela.

Hoje a pracinha perdeu muito do charme dos meus dias de infância. Minha avó vive reclamando que as crianças do bairro cresceram e se foram. Segundo a sapientíssima senhora, a atual população que ocupa o pequeno espaço verde é composta única e exclusivamente por "maconheiros".

Os membros da família, junto com alguns outros velhotes que ainda estão por lá, são os moradores mais antigos daquela rua. Nós acompanhamos o desenvolvimento da praça há gerações, desde quando não existia praça alguma – e sim um simples descampado . A maioria das árvores que hoje faz sombra para os... hã... maconheiros, foi plantada ali pelo meu avô.

Quando eu ganhei minha primeira bicicleta, uma Monark branca e rosa com cestinha, fui aprender a andar na pracinha. Após alguns tombos, o local acabou sendo minha pista favorita. O terreno é íngreme, o que dava uma certa dose de emoção. Fazia esforço para subir, depois vinha com a mão no freio para descer. O piso meio quebrado também fazia as vezes de obstáculos. Para uma menina de seis anos, estava de bom tamanho, não?

Foi lá também que eu aprendi que existiam plantas meio brinquedos. Quer dizer, elas eram plantinhas – mas se você fosse iniciado, conseguia brincar com elas. A mais famosa é o tal dente-de-leão, que eu sempre chamei de careca-do-vovô, apesar do meu avô ser cabeludo até hoje. Era uma delícia assoprar todas aquelas delicadas sementinhas.

Bacanas também eram as sementes em forma de passarinho – grandes e duras, elas tinham um bico e, quando jogadas para o alto, voavam em piruetas. Mas minha planta-brinquedo favorita era o que eu chamava de dorme-João. Bastava passar o dedo nas folhinhas para elas se fecharem. Ao pisar na pracinha, a primeira coisa que fazia era a ronda pelos matos dorminhocos, fazendo todos repararem que eu tinha chegado.

Em seguida, minha diversão era atazanar cupins. O truque era pegar um caule bem comprido e enfiar no buraco do cupinzeiro. Mexer bastante lá dentro para os bichos ficarem bem nervosos. Bater forte com os pés no chão servia também para terror psicológico. Deixava o caule enfiado, tranqüilo, até que ele começasse a se mexer sozinho – sinal de que tinha fisgado algo. Retirava cuidadosamente o pedaço de mato e... plim, vários cupins presos pelo próprio ferrão.

Animal Planet é para os fracos. Ou para os sem-pracinha.

A volta

Definitiva dessa vez. Já fui, voltei. E decidi ficar.
Nos útlimos meses, passei por situações complicadas, algumas constragedoras, outras tristes. Precisei da companhia do tempo para aceitar a perda de alguém muito querido. Meu mentor, minha inspiração, meu anjo. Ele se foi. Mas descobri que anjo da guarda existe. E eu tenho um!

Agora estou numa fase de transição. Recomeçando a vida, sabe? Do zero mesmo. Eu sei, é clichê, mas às vezes necessário.
Enfim, vamos em frente!

Welcome back.

27 de fevereiro de 2009

Marcianos, nós?


Segundo a Bíblia Deus criou o céu e a Terra.

Segundo os cientistas o mundo surgiu de uma grande explosão chamada big-bang. Está aí criada a primeira dúvida.

Segundo a Bíblia a vida na Terra surgiu através de Adão e Eva que tiveram dois filhos :Caim e Abel.Os cientistas já falam outra coisa, ou seja, que a vida surgiu do mar.

Está aí a sua segunda dúvida.

Vamos ser realistas e acreditar no que realmente aconteceu. Viemos do próprio sistema solar (teoria já aceita por alguns cientistas da Nasa), de um planeta vizinho, ou seja, viemos de Marte.

É ISSO MESMO SOMOS MARCIANOS!

Vou explicar: Marte era habitado por seres humanos como nós, mas alguma grande catástrofe levou Marte a quase total destruição (talvez uma grande GUERRA NUCLEAR), e o homem que lá vivia viu na Terra um planeta com as mesmas condições climáticas que lá existiam.Vieram machos e fêmeas os nossos" Adão e Eva". Por que cheguei a esta conclusão? Nos conta o Gênesis (o livro da criação), que Caim matou Abel. Sobraram Eva, Adão e Caim e só. Com quem Caim tinha relações sexuais? Será que com sua própria mãe? SERÁ?

Está aí o primeiro(segundo a própria Bíblia) incesto. É só ler que está lá. Inexplicável não ?

Se isso é pecado(incesto),e a bíblia é a palavra de Deus, estamos sendo enganados.É ou não é? Não é mais sensato acreditar que realmente de alguma forma viemos de Marte?

23 de fevereiro de 2009

O retorno

Eu sei que prometi para mim mesma ter um blog de verdade, daqueles que a gente atualiza e um monte de gente lê, comenta e tal. Confesso que andei meio fora de órbita. Passei um período colocando pingos nos is, e tirando alguns também. Passei a levar a análise a sério e juro que estou tendo colocar a vida em ordem.

Para (re) começar, nada melhor que criar uma rotina, e por que não por aqui? Já este este blog não tem tema, critério. É um espaço para dividir pensamentos, angústias, diversões, dicas. Trocar tudo isso com os amigos rede a fora.

Estou de volta e agora é para valer. Prometo!

21 de outubro de 2008

O irresistível charme do homem casado


"A felicidade de um homem casado
depende das mulheres com as quais não se casou" Oscar Wilde




Toda vez que começa aquele choramingo de que não tem homem do mercado, ele sempre vem acompanhado de um adendo: os bons estão todos ocupados. E os bons são os
maridos alheios. Será que isso é verdade? Por que eles são melhores? Afinal, o que as mulheres vêem neles?

Não é verdade que os casados são de melhor qualidade do que os solteiros. O que acontece é que tanto o homem quanto a mulher quando estão seguros num
relacionamento comportam-se com muito mais descontração e naturalidade. Entre solteiros sempre paira uma certa tensão no ar, uma ansiedade em relação
ao desconhecido, ao "será que vou encontrar alguém?" Quando esses tímidos e nervosos homens solteiros encontrarem uma mulher a que se ligar, imediatamente
se transformarão em bons homens casados. E se tornarão irresistíveis aos olhos daquelas que gostam do tipo comprometidos.



O que as mulheres que gostam de homens casados têm a dizer:

Os casados conhecem um pouco mais o sexo feminino

- Eles vivem full time com a patroa, então têm uma boa escola. Aprenderam a conversar sobre sentimentos. "É mais fácil falar de você com um cara casado. Ele não oferece perigo, já que é comprometido"; ou ainda "Você fica mais a vontade,
pode ser verdadeira. Se o cara gostar de você e quiser largar a mulher, ótimo, é lucro."


Se outra está com ele é porque o cara tem alguma coisa

- O casamento funciona como um controle de qualidade."Se você encontra um cara solteiro de 40 anos, fica logo com a pulga atrás da orelha",deve ter alguma coisa errada com ele, porque não é normal nunca ter se casado. Agora, o homem casado é um desafio testado e aprovado".

A possibilidade de um relacionamento sem cobrança
- Há quem prefira namorar homens casados enquanto não encontra o homem da sua vida. "Eles não cobram nada de você",e como têm família, nunca estão livres nos finais de semana, quando saimos à caça de um bom partido. Assim, a gente não fica carente demais, nem perde a prática da conquista enquanto não acha um par".

A felicidade faz a pessoa ficar mais bonita
- E, ao sentir-se mais bonita, ela fica mais segura de si, mais confiante e isso faz com que brilhe com mais força. "Parece a lei de Murphy".basta eu estar com
alguém para chover paqueras atrás de mim. Mas, quando estou sozinha, eles não me olham. Com os homens é a mesma coisa. Eles ficam mais atraentes."

O desafio da conquista difícil
- Ver o sujeito com a namorada ou esposa, saber que vai ser mais difícil vencer a batalha, mas ele deu bola para você... "Gosto de competir. Se ganhar o gato, fico
feliz e sem culpa nenhuma pois ninguém acaba o casamento de ninguém. A relação já devia estar ruim para ter acabado. Se não ganhar, a batalha era difícil, mas eu tentei."

A esperança de ser a eleita
- Há mulheres que se apaixonam e sofrem porque o cara não deixa a família para ficar com ela. "Não tenho mais esperanças, mas o amo muito, sei que é a pessoa com quem eu gostaria de ficar ,no entanto, vivo infeliz por não ter um homem só para mim, mas não consigo por fim a essa relação".

Na verdade existem muitas hipóteses para explicar a atração que algumas mulheres têm por homens casados. Eu aposto no medo da rejeição. "Se eu tentar umrelacionamento e não conseguir vou me sentir rejeitada e isso é doloroso demais para mim. Agora, se eu
investir numa conquista e não tiver chance de ganhar, aí tudo bem. Não me sinto rejeitada, afinal o cara era casado, não podia isso e aquilo". É como a história do
menino que não estuda o ano inteiro. Chega na véspera da prova, ele tenta ver a matéria inteira e, claro, não dá tempo. Se ele passar, é um gênio. Se não passar
era de se esperar, pois não deu tempo de estudar quase nada. Corajoso é o cara que estuda o ano inteiro e se arrisca. Corajosa é a mulher que se arrisca a ganhar ou perder no jogo limpo. Sem desculpas.

Outra é que muitas mulheres gostam de participar de um triângulo amoroso. Isso, por si só, não é ruim, desde que elas sejam felizes assim. Se preferirem essa situação a ter de viver um relacionamento convencional, em que um está sempre à disposição do
outro, não vejo problema. O problema é quando começam a desejar que aquele homem seja só delas. O grande atrativo dos casados é justamente o fato de eles não
estarem disponíveis o tempo todo. Se isso pode ser desconfortável por um lado, pode ser muito cômodo. Não existem regras do que é ser feliz. Tem gente que sonha
em se casar, ter filhos e viver para sempre com um homem. E há quem se satisfaça em amar mesmo sabendo que não é a única na vida dele. Não existe certo ou errado se a pessoa estiver sendo sincera com ela mesma. O que não pode é querer que o outro mude para se encaixar nos planos dela.

E a quem interessar... Não, eu não gosto de homens casados.

28 de agosto de 2008

Coisas para lembrar na hora de beijar um músico

Quase todos seus amigos, rolos e namorados foram músicos, e você decide que já chega. Aceita sair com um jornalista, desses que passam o dia inteiro metidos num terno. Para sua surpresa, não é que o cara é legal? Não fala de jornal, tem um humor impagável, um beijo ótimo e, quase sem perceber, vocês saem três vezes em oito dias. No quarto encontro, o convite fatídico: "Você não quer ir ao show da minha banda?" O cara é baixista e montou um grupo com jornalistas que cobrem política.

É claro que o mundo está cheio de homens que não são músicos e um tempo depois você descobre o circuito de festas trance da cidade. Nelas vai sempre um cara legal, bem bonito, papo ótimo. As festas são muito bacanas, ao ar livre, tá todo mundo dançando muito sem parar. Justamente um pouco antes do primeiro beijo, ele fala para você ir um dia a um encontro de amigos, ouvir o trance que ele compõe. Ele faz música.

Tem ainda aquele dia em que você sai para badalar, feliz porque vai encontrar todos os amigos, e não tem a intenção de paquerar viva alma. Mas aí aparece um sujeito que parece tão legal, mas tão legal, que você está dentro daquele buraco escuro bacana chamado Gate's e consegue até achar que o cara tem uma luminosidade especial. Vocês trocam uns olhares simpáticos, o que dentro do Gate's só pode ter um significado, e logo estão conversando animadamente. Leva meia hora para descobrir que já foi num show dele.



Há algo sobre sair com músicos. Segundo a mitologia grega, eles são uma roubada. Orfeu foi o músico mais famoso de sua época. Seu mito encerra a história de um homem que entende tudo sobre amor, mas não teve a coragem necessária para vivê-lo. Casado com Eurídice, perde a mulher quando ela está fugindo assustada das investidas apaixonadas de um pastor ensandecido e pisa em uma cobra, que a pica no calcanhar.

Orfeu desce até o reino de Hades, o deus grego das profundezas, ou o Diabo, para os católicos. Com sua música, quebra todas as resistências e entra onde os vivos jamais podem chegar. Hades lhe concede a mulher de volta, com a condição de que a guie para a terra sem, em hipótese alguma, olhar para trás. E não é que o mané, no meio do caminho, fica na dúvida e olha? Eurídice se desfaz e some na frente dele, para sempre.

Ele toca como ninguém o coração dos homens com sua música. Faz todo mundo sentir um monte de coisas. As coisas que ele não conseguiu viver, mas consegue comunicar com um dom pouco comum.

Este texto é sobre sair com músicos. E já começa com a citação de uma tragédia grega. Depois volto a ela. Em termos pragmáticos, o que importa é lembrar, quando se topa com um deles, que a música, de todas as artes, é a que tem a relação mais estreita com corações partidos.

As relações com músicos têm, obviamente, prós e contras. Como não tenho conhecimento acumulado sobre advogados, médicos, padeiros ou nutricionistas, estou aqui escrevendo sobre isso. O primeiro ponto positivo, aliás, pode ser explicado por uma comparação entre categorias de homens. Você pode sair com um advogado e ele vai ter o maior interesse em dividir contigo tudo o que aprendeu nessa carreira. Contar casos impressionantes sobre o sistema de justiça. Pode virar seu amigo e, num futuro qualquer, te ajudar um monte diante de diferentes situações que envolvem a lei. Isso tudo é bacana, mas pontual.

O conhecimento acumulado dos músicos tem uma aplicação prática imediata e que fica com você para sempre. Todos eles vêm com anos de pesquisa musical e têm a maior felicidade em dividi-la. Cinco, dez, quinze anos de trabalho intenso em lojas de disco, diante da televisão e consumido literatura especializada estão todos registrados em uma discografia pronta para ser apreciada por você. E cada um tem um gosto. Dá para aprender sobre pop, punk, jazz, rock. Qualquer coisa.

Pela razão citada acima, eles sempre dão bons presentes.

Outra vantagem comparativa dos músicos diante de outras categorias masculinas é a inexplicável facilidade com que trocam de rolos e namoradas uns entre os outros. Não que façam isso de maneira bem resolvida e sem estresse, pelo contrário. Mas pelo menos fazem. Os músicos estão um passo a frente dos demais homens na direção de se libertarem do estereótipo que prende a imagem das mulheres, dentro de um determinado grupo, a seus ex-namorados, rolos, etc. Aquele velho e atual conceito de propriedade. Não tenho a menor idéia de por que isso acontece, mas o mundo da música tem um quê de seriado americano de baixa qualidade. Tipo "Barrados no Baile", onde todos os personagens acabam se namorando em algum momento da série e onde, quando não tem mais nenhuma combinação para fazer entre eles, sempre entra um personagem novo na estória, começando tudo outra vez.

Existem desvantagens, é claro. E as desvantagens das pessoas só aparecem com o tempo. Assim, desvantagens serão citadas aqui circunscritas a apenas uma das formas de se relacionar com um músico: o namoro. Voltando aos gregos, músicos precisam de musas. Sem musa, não tem música. Musas têm que ser algo perfeito, idealizado e inatingível. Senão, a música sai ruim. Logo, em geral, a namorada não pode ser uma musa, a menos que transforme a relação em uma espécie de tortura sofrida permanente e cruel (isso também inspira boas músicas). Os músicos, enfim, estão quase sempre apaixonados por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Têm uma relação estranhíssima de amor com essas mulheres inatingíveis que preenchem todos os seus sonhos, justamente porque elas são inatingíveis, e esse amor transborda deles nos momentos mais impróprios, criando situações bastante inusitadas dentro de um namoro. A musa pode ser a garota que freqüenta o bar aonde você vai, pode ser a namorada de um amigo dele, um rolo antigo ou a Luana Piovani. Dá no mesmo. O impressionante é assistir o amor dele por ela tomar conta de todas as expressões do sujeito, antes de ser engolido, virar melancolia e, depois, música. É uma das coisas mais esquisitas do mundo.

O que interessa é que têm um componente de sensibilidade muito grande. Essa sensibilidade é, no final, o que os fez encontrar a música. É claro que a sensibilidade não é exclusividade dos músicos (ainda bem). Mas é bem comum entre eles. E não existe nada mais bonito no mundo inteiro do que um homem sensível. Logo, os músicos são bonitos. Convivem sensivelmente com todas as porcarias com as quais todos convivemos, dentro e fora da gente. São uma roubada que, no fim das contas, vale a pena. Como todas as histórias entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres, vividas por uma noite, alguns minutos, meses, semanas ou anos: as roubadas mais interessantes da nossa existência

18 de agosto de 2008

Perdas


Nunca fui de perder coisas. As coisas é que costumam se perder de mim. Quando pequena, perdi o par de tênis amarelo da minha Barbie. Eu já não gostava muito dela justamente porque usava tênis. Eu nunca gostei de tênis. Era uma Barbie esportiva e eu não conseguia entender o que deu na cabeça do meu pai para comprar uma Barbie esportiva. Eu gostava mesmo era das Barbies glamourosas, de longos e brilhantes vestidos cor-de-rosa. Ele me deu a Barbie pouco antes da mudança. E eu fiz questão que ela fosse de caminhão. Não ocuparia o lugar dos brinquedos privilegiados, que atravessariam a jornada ao meu lado, no carro. Quando chegamos ao destino e os transportadores largaram a caixa de brinquedos em meu quarto, corri trêmula até ela, com um pressentimento feminino que se manifestava precoce demais para uma menina ainda tão menina... Mas ufa, a Barbie estava lá. Mas não os tênis. A boneca estava descalça. E pior do que uma Barbie esportiva era uma Barbie esportiva sem tênis. Sem sentido. Sem razão. É claro que me culpei, é claro que passei o resto dos anos observando a boneca descalça e me condenando pelo descaso. Os pés nus eram prova do meu espírito desavergonhado. Testemunhas das minhas primeiras escolhas imorais.

Perdi algumas outras coisas depois disso. Brincos e pulseiras de ouro na praia (de cada par guardo a peça que se salvou). O Mundo de Sofia (da vez que li guardo a surpresa da identificação). E perco o ônibus praticamente todos os dias. Perdas, perdas, perdas. Inexplicáveis, inaceitáveis, imperdoáveis perdas. Continuo desconfiada de que as coisas é que se perdem de mim.

E para onde foi tudo o que da minha guarda escapou? Quais outros pés os tênis amarelos vestiram? Que outra menina contemplou, desconsolada, um brinco sem par? Que outro leitor se viu dentro do mundo que guardava o Mundo de Sofia? Eis que a razão da perda está no encontro.

Perdi tão poucas coisas que lembro de cada uma delas com dor. Sou taurina a ponto de manter as gavetas entupidas de mim, talvez por medo de esquecer o que sou. Guardo pedaços do mundo para entregar aos meus filhos. Recolho as perdas dos outros com pesar. Volto três vezes para me conferir. Espio embaixo da cama para me achar.

Porém, entre todas as coisas que nunca perdi, há uma que adoraria esquecer em algum banco de metrô: o medo de perder. A proteção que criei em torno do que é supostamente meu. Perder é mudar, perder é transformar, perder é, acima de tudo, renovar. Tem coisa que a gente perde e parece que não era para perder. Mas era, sim. Quando perdemos, recriamos a perda. Recauchutamos o velho. Renovamos o ar. Quando perdemos, reviramos tudo de cabeça para baixo e, depois, nada volta para o mesmo lugar. Perder o medo de perder queima calorias. Faz sentir mais leve. Alivia o peso nas costas. Equilibra a pressão. Perder o medo de perder faz andar mais longe e enxergar melhor. Perder o medo de perder faz olhar para os lados e ainda por cima aumenta as chances de esbarrar na felicidade (assim mesmo, por acaso). Perder o medo de perder faz a gente andar descalços na areia e correr contra o vento, perdendo apenas o que já não se tem.

Ter coragem para perder faz encontrar o que nem ousávamos procurar. Mas que certamente alguém deixou cair.

13 de agosto de 2008

Sobre amor, ódio e indiferença


Tratamos mal quem nos trata mal. Desprezo é para inimigos e invejosos. E ninguém que ama de verdade consegue ter conforto quando isso vem do outro lado. O contrário do bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é ódio. Faça uma enquete entre adultos e descubra que a resposta correta é indiferença. Isso mesmo. o contrário de amor é a indiferença.

O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a te odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. A indiferença, por sua vez, não aceita declarações ou reclamações. Seu nome simplesmente não consta mais no cadastro.

Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas no rosto e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, precisamos dele nem que seja para dedicar-lhe todo o nosso rancor, ira, a nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouquíssimo humor para aturá-lo. O ódio se tivesse uma cor, seria vermelho, como o amor.

Já para sermos indiferentes a alguém precisamos de quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bungee jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada. A indiferença é um exílio no deserto.